Eu, pensando, no breu do Coliseu de Lisboa: é absolutamente extraordinária a quantidade de mortes que a vida consegue suportar em vida!
(*) Fiz uma descoberta fantástica no YouTube: a imagem que guardo da primeira vez que vi a cena da Morte do Cisne, então num ecrã a preto e branco, dançado pela imensíssimamente única Maya Plisetskaya. Corresponde também à primeira vez em que me recordo de ter percebido que o sublime não é possível: é real.
III Acto: entrada de Odile, o Cisne Negro, no Baile do Palácio. Magistral sequência de 32 grand pirouettes que invariavelmente conto em silêncio, só com um indelével tremor de lábios a denunciar-me e a fazer-me baixar a cabeça, no embaraço de poder parecer demasiado exigente diante da perfeição. E esta noite foi só "quase" perfeito: foram 31, mais uma correção discreta que quase conseguia iludir a contagem. Deslumbrante, ainda assim! Deslumbrante.
Eu, pensando, no breu do Coliseu de Lisboa: é sempre extrema a violência daquilo que nos é brutalmente familiar!...
O Coliseu de Lisboa, a instantes de assistir a O Lago dos Cisnes, pelo Moscow Classical Ballet.
Eu, sentada, a instantes de assistir o primeiro clássico após a interdição que, este Janeiro, completou 20 anos.
Acabo de assistir à demonstração de um carro que avança na vertical e tem gasolina suficiente «para fazer a estrada do céu até ao fim». Coloco directo na minha Lista de Máquina Desejante, lógico. O carro e o Guilherme. Ou, quem sabe, um outro filho que saia igualzinho a ele.
Debaixo da pedra / mora um bichinho / de corpo cinzento / muito redondinho / tem medo do sol / tem medo de andar / bichinho de conta / não sabe contar / muito redondinho / rebola, no chão / rebola, na erva / e na minha mão
Lenga-lenga (memória dos 4 anos, ou qualquer coisa por aí)
No espectáculo de Joaquín Cortés, esta noite, em Elvas.
Em reverência absoluta. Tendo bem presente que há momentos irrepetíveis e que é crime de lesa-pátria permitir que nos passem ao lado.
(*) Fotos graças ao Nuno Veiga, que providencialmente levou a câmara!...
Acontece que, mesmo sorridentes, as Meninas perderam a viagem: daqui para o jogo, não saio nem amarrada! Por nada, não. Deve ser só porque me cansei do velho dérbi "encarnado paixão" vs "verde esperança".
Em dia de jogo é assim: todo o mundo larga tudo. Quando você vê... pufft: escafedeu!. Mas não entre em pânico. Ainda que não pareça, você não ficou sozinho com a edição nos braços. Ninguém foi embora, garanto. Procure bem na frente da TV. Viu?! Pode respirar de alívio, sim: estão todos lá, na 1ª fila, assistindo futebol de camarote, com o nariz colado no monitor.
Regras básicas, se quiser sobreviver por aqui, nessas horas:
1º – não chame nem em caso de necessidade
2º – baixe a voz para não perturbar o volume dos gritos deles
3º – nunca tente se aproximar do telecomando
4º – jamais ouse trocar de canal
5º – e que em tempo algum lhe ocorra se atravessar na frente do ecrã
p. s – essas regras devem ser aplicadas aos elementos masculinos e femininos. Não temos por hábito fazer distinções de género entre a equipa. Ademais, louco é todo igual.
Tchiii!... pois é: hoje é dia de Benfica x Sporting!
Prevê-se uma luta titânica para atravessar a 2ª Circular em tempo.
De repente, vindo do nada, despencou um toró daqueles!
Feito choro, quando dá na veia da gente.
Ensaio sobre a raiva:
1ª versão – Jamais perdoarei todos os lugares de que nos privaste.
(...)
2ª versão – Há demasiados lugares por onde nunca chegámos a passar.
(...)
3ª versão – São demasiados os lugares que ficaram à nossa espera.
Abandono a raiva por ser absoluta. Continuo a preferir a sabedoria, por ser mais relativa. Desisto, portanto, do ensaio por ser demasiado exaustivo. Fico-me pelo provérbio, que sempre é mais imediatamente intuitivo.
versão final – Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.
(provérbio chinês)
Estudos sobre a distância: eu ao fundo... flagrada de longe... convertida em passageiro objecto de análise precária.
[20 e 21 de Abril de 2007]
De visita à redacção do Porto: para que não restem dúvidas de como esse pessoal é único! Entendeu agora porque é que sempre falo (com maiúsculas bem marcadas): «Minha Grande e Boa Gente do Norte»?!... Pois, então: é por isso, sim.
[20 e 21 de Abril de 2007]
O tempo chega para tudo, na verdade: jantar na Foz, em casa de amigos.
[20 e 21 de Abril de 2007]
À noite na cidade do Porto: jantando à beira do Rio Douro.
[20 e 21 de Abril de 2007]
O céu, a caminho do Porto: fechando-se na ida, abrindo-se no regresso.
[20 e 21 de Abril de 2007]
Não, não é piadinha: são "ossos do ofício"!... Bem sei que a direcção de voz é do meu estimado Alfredo Brito, mas acontece que há dons que são pessoais e intransmissíveis. Ademais, o desfiar da ausência é algo que ninguém aguenta por muito tempo, muito menos quando o "drama" se arrasta por longos e intermináveis capítulos! Sinto muito: apesar de toda a predisposição e boa vontade, não passamos da faixa nº3. ...E olha lá, hein?!
[20 e 21 de Abril de 2007]
Área de Serviço de Aveiras: vestígios do meu café. Em copo de vidro, pois claro! Como no Brasil!... Que há hábitos que nunca se perdem e, como é sabido, eu sou um bicho de imutáveis hábitos eternos, desses que morrem com a gente, mesmo.
[20 e 21 de Abril de 2007]
Em todas as coisas, em todos os lugares, o Meu Boi vem me espreitar... aparece para me ver... desmultiplica-se em sinais para se mostrar... para se fazer lembrar... para não me deixar esquecer... e chama por mim... chama, chama, chama:«... Vem me ver! Vem me ver!...»
E o meu peito responde surdo. Como sabe. Como pode. Venha, que eu vou. Venha sim, venha me buscar: ontem!
[20 e 21 de Abril de 2007]
No centro de todas as atenções. Olha só o ar da turma: coisa de profissional, coisa de turista!... Coisa de profissional turista.
Há sempre um lugar onde nunca tínhamos estado. Há sempre um qualquer recanto onde nunca entrámos.
Por querer demais o que não lhe pertencia, acabou perdendo até o que não tinha.
Abrindo os olhos... começando lentamente a cruzar as coordenadas do espaço com as coordenadas do tempo... o cérebro principiando a processar a informação que chega pelos sentidos... é a minha máquina humanóide cozinhando tudinho cá dentro... lá fora... cumprindo a sua função, eu creio. E, como num passo de mágica, eis que a realidade retorna e o mundo volta a aparecer em redor, após o estranho hiato do sono.
(...)
Olhos abertos, agora.
Não, hoje NÃO acordei sobre um estrado de madeira.
(...)
E eu pulo da cama a Bem-Dizer o dia, porque – sejá lá o que for – são sempre de agradecer as manhãs em que acordamos com uma certeza da qual não há por onde duvidar.
Sem querer te perdi tentando te encontrar
Jorge Vercílio – "Encontro das Águas"
São 18h. É hora de saída. É fecho de expediente. É sexta-feira. É quase fim-de-semana. É o mês de Abril, afinal, quase no fim.
... tenho que esquecer a data / tenho que perder a conta
... tenho que ter mãos vazias / ter a alma e o corpo nus
Gilberto Gil – "Se Eu Quiser Falar com Deus"
